sexta-feira, 8 de março de 2013

A demarcação de terras e a injustiça contra os invisíveis


Conheça mais uma historia absurda e triste patrocinada pela Funai.

Por Lidiane Ramos Leal, para Desacato.info.
No sul de Palhoça/SC, o processo de demarcação de terras que teve início em 1993 tem como propósito transformar em terra indígena 20 milhões de metros quadrados. O processo é fortemente questionado por moradores de todo o Sul de Palhoça. E claro, principalmente por essas 77 famílias da Enseada do Brito, Maciambu Pequeno e Praia de Araçatuba, que tendem a ser brutalmente arrancadas de suas vidas, em prol de uma irresponsabilidade do Estado. Os estudos antropológicos que identificaram a região como terra tradicional indígena gerou indignação e levou os moradores a entrar com recurso, desde 2009 na Vara Ambiental da Justiça Federal em Florianópolis, ainda sem respostas.
Tivemos a oportunidade de conhecer algumas pessoas que fazem parte desse processo, pessoas nativas e algumas representando sua quinta geração, conforme nos informaram.
Para além de arrancar as casas, estarão arrancando a história dessa família, desumanamente.
Isabel Alecina da Silva, 75 anos, moradora nativa de Araçatuba, a dona Belinha como é conhecida em sua comunidade, afirma que “foi meu pai que deixou essa terra para minha família. Eu tenho cinco filhos e seis netos que moram aqui, estão todos sofrendo muito com tudo isso. O que eles querem fazer com a gente é uma tristeza. Mesmo se eles pagarem a casa, onde é que eu vou morar? Eles não vão pagar pelo terreno, só pela casinha. A minha casa estava quase caindo, agora, meus filhos e genros fizeram uma vaquinha e me ajudaram a arrumar esse puxadinho. Com esse nervosismo, minha pressão aumenta, já passei mal muitas vezes depois que a gente soube disso. Índio aqui eu fui conhecer deve fazer uns 40 anos, quando eles vieram para o Morro dos Cavalos, não é na aldeia de hoje, é perto dali”.

Na Praia de Araçatuba, a luta continua
Maria das Neves Rodrigues, 57 anos, moradora da Praia de Araçatuba, “colocaram no Diário Oficial que a gente usou de má fé, mas eu tenho documentos, eu paguei. Lei para pobre não tem, porque se tivesse não fariam isso”.
Pescadores em dívida com o Pronaf, ou seria o Estado em dívida com os pescadores?
Conforme o Portal do Ministério da Agricultura esclarece, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) financia projetos individuais ou coletivos. Os financiamentos para pescadores são de até R$ 100 mil anuais e com prazo de 10 anos para pagamento, sendo 3 anos de carência e com juros de 2% ao ano. Os financiamentos aos pescadores tem como propósito auxiliar na aquisição de redes, tarrafas, modernização e reforma de embarcações, o que inclui melhorias nas condições de manipulação e conservação do pescado a bordo e melhorias nas condições de saúde e segurança do trabalhador. Serão concedidos também financiamentos para finalização de construção de embarcações, desde que possuam Permissão Prévia de Pesca; substituição de embarcação, conforme as normas da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca. Os beneficiários do Pronaf Mais Alimentos deverão estar registrados no Registro Geral da Pesca da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP).
Cleusa Terezinha Farias, 53 anos, moradora da Praia de Araçatuba, “Eu trabalho com meu filho na pesca e na maricultura. Se tava nesse rolo todo, por que fizeram um empréstimo do Pronaf para o meu filho? Ele deve R$ 15 mil de empréstimo, se não tiver trabalhando na pesca que é a profissão dele, o que vai fazer para pagar? Meu filho entrou até em depressão por causa dessa situação. Está todo mundo ficando doente, só estou dormindo a base de calmante. Para nós não interessa indenização nenhuma, só quero sair daqui se for para o cemitério”.
 
Conforme relato de Manoel Apolinário, 60 anos, e sua esposa Ivone Martins Apolinário, 55 anos, o casal vive há cerca de 40 anos na Praia de Araçatuba, “nós criamos nossos dois filhos vendendo berbigão, marisco e peixe. E agora temos a preocupação de pagar o empréstimo do Pronaf.” O senhor Manoel faz um importante questionamento e imediatamente sugere a resposta, “nós sobrevivemos e pagamos o empréstimo do Pronaf com o dinheiro que vem da venda do marisco, do berbigão, do peixe, se eu não trabalhar no mar, quem vai me dar emprego com 60 anos? Ninguém!”.
O casal Apolinário, nos solicita ainda que seja mostrada a forma com que a saúde pública do município de Palhoça atende essa região, “faz uma foto da minha perna, e mostra como somos atendidos aqui pela saúde, estou com esse nódulo e há mais de um ano espero atendimento com um especialista, lá no Posto da Passagem do Maciambu” e completa, “e agora mais essa injustiça, ter que sair daqui e ainda doente”.

Vilmar Joaquim de Souza (48), nativo da Praia de Araçatuba, nos conta brevemente sua história e sua aflição “Meu avô Bernadino Onofre dos Passos e meu pai Joaquim Miguel de Souza, ambos falecidos, moravam aqui e eram pescadores. Isso que querem fazer está errado, querem indenizar por uma mixaria e mesmo se compensasse eu não sairia daqui”.
Fabiano Sabino da Silva, 32 anos, pescador, nativo da Praia de Araçatuba, “meus pais Sabino e Benta também são pescadores, sobrevivo com minha esposa Maria de Fátima Boeira da Silva de 41 anos, da pesca e do marisco, minha esposa, inclusive é descendente de índio, dos primeiros índios que vieram para o Morro dos Cavalos da família Moreira. Nós não queremos sair daqui, nossa vida é a pesca, é a única profissão que a gente tem. Temos dois empréstimos do Pronaf para pagar e temos que pagar. Sustentamos dois filhos com o dinheiro da pesca. A gente tem botes, marisqueira, redes de pesca, bateira pra onde vou levar tudo isso?”.
Valmor Bertino Ventura, 58 anos, pescador, nativo da Praia de Araçatuba, “minha avó morou 105 anos aqui, no mesmo lugar. Sair daqui pra mim é um absurdo, não pode, nós vivemos aqui toda vida, sobrevivo da pesca e do marisco”.
Ilda Arminda de Souza, 70 anos, esposa do senhor Valmor B. Ventura, nativa da Praia de Araçatuba, “sempre trabalhei com meu marido na pesca e não quero sair daqui”.
Bernardino Joaquim de Souza, 49 anos, pescador, nativo da Praia de Araçatuba, “represento a quinta geração de pescadores. Toda a minha família depende da pesca, sobrevivemos disso, é a nossa atividade. Não quero sair daqui para nenhum outro lugar. Onde querem colocar esse pessoal todo, com embarcação e tudo?”.

Izabel Deobrandina Campos, 56 anos e seu esposo Luiz Carlos Pavanato, 53 anos, pescador e maricultor, nativo da Praia de Araçatuba, dona Izabel nos afirma, “pra nós isso foi uma surpresa carregada de tristeza. Por que o pescador tem que sair daqui se a terra é da marinha? Nós temos todos os equipamentos de maricultura, no asfalto não dá pra pescar. E ainda eles querem nos indenizar só pela construção. Eu tenho os documentos comprovando que isso aqui é meu. Esses terrenos nos estudos dos antropólogos estão como planície, mas é só olhar pra ver que não é. Eu tenho pena dos índios porque aqui eles não vão plantar nada, é só pedra e morro, é uma tristeza botar eles aqui. Pra que gastar dinheiro para tirar a vida dessas pessoas daqui? Deveriam investir em saúde e educação e dar um lugar bom para os índios onde não tenha gente morando. Nós pagamos impostos da marinha. Nós procuramos em 2002 na Celesc* para ligar a luz, mas até hoje não ligaram. Eu sou uma pessoa em tratamento pelo Cepon, tive câncer de mama, e preciso que liguem a minha luz. E agora ainda tenho que me preocupar porque querem me tirar daqui. Eu vivi aqui, criei meus filhos aqui, tenho uma história aqui e não quero ir embora, não tem preço”.
 * Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. – Celesc
A quem a Funai (Fundação Nacional do Índio) está servindo?
No km 227 da Br 101 na Praia de Fora, em Palhoça, encontramos 41 índios nhandéva vivendo em situação precária em ocas feitas de lona plástica e ignorados pela Funai. Entre eles Milton Moreira, 52 anos, nos esclarece, “sou filho de Júlio Moreira, meu pai foi o primeiro índio a chegar na região do Morro dos Cavalos, chegou comigo e minhas irmãs. Eu sou contra a demarcação de terras, porque nós não precisamos de quase 2 mil hectares de terra, é muita coisa, o índio precisa de um espaço pequeno para plantar, de onde vão trazer índios para preencher essa terra? Todo o processo feito pela Funai corre em meu nome, mas como pode acontecer isso se eu sou contra essa demarcação? Nós sempre vivemos bem com os moradores dessa região e agora querem fazer essa briga entre nós, tem algum interesse por traz. Aqui nós temos 28 crianças e adolescentes sem ir a escola e a Funai não faz nada”.
Rosalina Moreira, 60 anos, atualmente é moradora do bairro Praia de Fora, em Palhoça, “meu pai Julio Moreira foi o primeiro índio a vir morar aqui, a gente morava em uma barraca de lona lá perto da aldeia do Morro dos Cavalos, o pai veio comigo, meu irmão e minhas irmãs Lurdinha e Nadir. Somos contra essa demarcação, quem vive lá na aldeia do Morro dos Cavalos são mestiços, vindos de toda parte, foram trazidos pela Funai para fazer essa demarcação de terras ”.
Algumas pessoas alegam que as terras brasileiras eram indígenas, pois sabemos, e inclusive sou uma questionadora do processo de exploração. No entanto, devemos ter sensibilidade com essas pessoas que não tem culpa de viverem em um país que foi explorado por portugueses. É preciso deixar claro que a luta não é contra os índios e nem teria razão para isso, e sim contra as instituições representativas do Estado, ou não, que estão agindo sem responsabilidade para com essas 77 famílias, que percebemos que estão longe de serem tratadas como gente, algumas descendentes de índios, inclusive. E esse ataque é também contra os índios, já que se trata de uma área de morros e pedras, o que deve ser difícil para cultivar qualquer tipo de plantação.
Fotos: Lidiane Ramos Leal.

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