segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Agenda ambiental preocupa empresários

Fonte: Valor

Nos últimos dez dias, PT e PSDB se pintaram de verde e foram atrás do apoio de Marina Silva. A fatura dos quase 20 milhões de votos da candidata presidencial do PV chegou na sexta-feira, na forma de propostas claras aos candidatos ao segundo turno da campanha presidencial, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB).

Ali não há reticências no capítulo ambiental: pede-se, por exemplo, o fim dos leilões de energia para térmicas a diesel ou carvão mineral, moratória às novas usinas nucleares não autorizadas pelo Congresso e veto à proposta de alteração do Código Florestal que anistie quem desmatou. Vinte empresários de diversos setores ouvidos pelo Valor concordam na análise da herança das urnas do primeiro turno: qualquer que seja o próximo presidente da República, a agenda ambiental subiu um degrau na lista de prioridades do governo.

Nesta seara, os exportadores são os menos assustados - já estão habituados às exigências do mercado externo que pauta suas compras por parâmetros ambientais. Empresários mais à frente da onda sustentável também digerem com tranquilidade o dilema entre crescer e provocar o menor impacto ambiental possível. Há menos tolerância com este tipo de preocupação quando o assunto é o prazo do licenciamento. Temores específicos aparecem quando este tema se aproxima do planejamento estratégico de curto prazo ou da competitividade internacional. Quem está no setor de mineração, por exemplo, teme a criação de novas unidades de conservação, que limitem a atividade. Dirigentes da siderurgia se assustam com as mudanças que metas de redução de emissão de gases-estufa podem provocar em seu negócio.

"A preocupação com o ambiente e com as pessoas aliada à busca do lucro, a chamada sustentabilidade, é tema global", começa Fábio C. Barbosa, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e do Santander. "Estas questões estão mais e mais interligadas e se disseminam com força nas organizações, nos órgãos oficiais e na sociedade. É um cenário que não tem volta", prossegue, por e-mail, um dos empresários mais identificados com o assunto no país. "Isso significa que a discussão deve entrar cada vez mais na agenda de todos que praticam políticas públicas daqui em diante. É uma excelente constatação."

Ricardo Young, sócio e presidente do conselho do Yázigi e membro do conselho de ONGs preocupadas com o assunto - como o Instituto Ethos e o Movimento Nossa São Paulo -, teve quase 4 milhões de votos em 3 de outubro, ao se candidatar ao Senado por São Paulo. "O voto em mim demonstra que há muitos eleitores buscando novas formas de fazer política e sinalizando para a importância da sustentabilidade".

Na sua opinião, Dilma Rousseff captou a mensagem e deu pistas disso em seu primeiro pronunciamento ao se definir a necessidade do segundo turno. "Ela disse querer ser uma liderança que visa o desenvolvimento do Brasil além do crescimento do PIB e que isto signifique também qualidade de vida para todos. Foi a primeira vez que ouvi Dilma se referir a crescimento não só como PIB, mas com um conceito mais amplo." Young aposta que a sustentabilidade fará o mesmo percurso da responsabilidade social até o conceito ser incorporado às políticas públicas. "A responsabilidade social era vista à margem, mas quando vem o presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva] e leva a ideia à política pública e cria o Fome Zero, o empresariado entende que não há mais espaço para quem não tem a mesma postura".

Mas quando estão na toca e exprimem suas opiniões sem ser identificados, os empresários mostram claramente seus receios. "Meio ambiente conflita com tudo", sintetiza um deles, com o pragmatismo próprio ao ramo. O maior temor da indústria de mineração, nomeia um dirigente do setor, é que ganhe corpo um movimento de criação de novas áreas de preservação ambiental e parques principalmente na Amazônia. Isso é visto como um limite claro à atividade, aumentando o território impedido de exploração de recursos minerais. É na Amazônia, sob imensas áreas de floresta nativa intocada e territórios indígenas, onde se encontram grandes jazidas minerais com potencial para exploração econômica. Um exemplo é a grande jazida de potássio, matéria-prima para fertilizantes, localizada em Nova Olinda, no Amazonas. Em áreas banhadas pelo rio Tapajós há jazidas de ouro. Em Roraima, uma grande reserva de estanho descoberta pela Vale ainda na época de estatal, não pode ser explorada porque a área fica em território ianomâmi. Aqui, a preservação da natureza bate de frente com os interesses do negócio.

Outra questão que atormenta os empresários da mineração é o novo marco regulatório em discussão para o setor. A ex-ministra de Minas e Energia Dilma é a madrinha do projeto que prevê aumento de royalties, fixação de prazo para lavra da jazida, licitação das novas áreas minerais descobertas (e não apenas concessão), proibição de requisição de concessões por pessoas físicas. A ideia é que as empresas paguem mais pela exploração das riquezas naturais. Hoje, os royalties pagos no Brasil têm taxa média de 2% - África do Sul e Chile têm taxas superiores. Curiosamente, não há muito receio em relação à legislação ambiental atual, já vista como das mais rigorosas no mundo. "Hoje, o problema é a demora no licenciamento, que se arrasta por mais de um ano, provocando insegurança nos projetos de investimentos", diz o homem da mineração.

A legislação ambiental brasileira, que segundo quem analisa é "ousada e de vanguarda" ou "confusa e contraditória", é um ponto complicado na visão de Marcos Jank, presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica). "O discurso é moderno, mas as leis são arcaicas", alfineta. Jank cita o caso do licenciamento em que o diretor do órgão ambiental que libera uma hidrelétrica, por exemplo, pode ter que responder nominalmente a processos. "O resultado é que fica com medo e a obra não sai." O primeiro desafio do próximo presidente é resolver o impasse do Código Florestal, diz. "Do jeito que está, o Código não é cumprido e leva a mais desmatamento", reclama. A indefinição é como "estar em um transatlântico rumo a um iceberg."

"A morosidade do licenciamento ambiental ainda não foi respondida adequadamente pelo setor público", pontua Grace Dalla Pria, gerente de meio ambiente da Confederação Nacional da Indústria, a CNI. "O cipoal da legislação ambiental, também." Ela diz que não é possível "se ficar numa fila de 120 dias para ter uma renovação de licença ambiental". A CNI é atuante no debate internacional por um novo acordo que enfrente a mudança do clima, mas Grace diz que, quase um ano depois de o Brasil ter anunciado suas metas voluntárias de redução de gases-estufa, os empresários vivem na dúvida. "As metas são voluntárias ou no nível doméstico são obrigatórias?", pergunta. E emenda, com precisão, que a pauta climática "é uma agenda de competitividade, não é uma agenda de meio ambiente."

Na siderurgia, esta é precisamente a questão que tem gerado mais discussão: a fixação de cotas para emissão de CO2. "Somos contra posições extremadas", defende um executivo. Ele diz que não faz sentido a siderurgia brasileira ser limitada na sua capacidade de crescimento enquanto outras nações, que já têm índice de consumo elevado e são grandes emissores de carbono, pleiteiam regras semelhantes. O consumo de aço no Brasil está na faixa de 100 kg por habitante ao ano, enquanto a média mundial é de 300 kg. "Precisamos chegar a pelo menos a esse número", argumenta. O pior é que ele diz que a siderurgia brasileira não tem como transformar sua base de produção rapidamente para a rota do carvão vegetal obtido de florestas plantadas, como previsto na composição da meta brasileira de redução de gases-estufa. Um empresário exportador fulmina: "Agora o novo presidente vai ter que resolver o foguetório que o Brasil prometeu em Copenhague."
A escolha do empresariado sobre em quem votar, entre Dilma e Serra, obedece menos a critérios ideológicos do que a interesses de negócios, diz o diretor de uma grande entidade de classe. "Há um grupo que acha que está bom como está e que, se mudar, o novo gestor vai gastar os primeiros anos desmontando a máquina do PT e o Brasil vai parar", conta. Outro grupo "gosta do PSDB, mas tem medo do Serra porque o vê como alguém que adora tributos." Mas agora, rumo ao segundo turno, o mesmo grupo acredita que, ungido presidente, Serra "deixe de ser tributarista, tenha mais diálogo e entenda que imposto alto não leva a nada." Ele vaticina: "Duas áreas serão fortalecidas. Uma é o meio ambiente, Marina tem patrimônio inegável. A outra é a defesa." Aqui, arrisca um palpite: "O Ministério da Defesa será um hiper ministério. O Brasil cresceu, é uma potência econômica e áreas como a do pré-sal não têm nenhuma segurança".
Quatro executivos da área de telecomunicações - dois dirigentes de multinacionais e dois de empresas de capital brasileiro -, dizem em coro que sentiram falta na disputa eleitoral dos candidatos à Presidência de discussão em torno de definições de estratégia para o país. "O Brasil precisa de foco na infraestrutura e vem trabalhando de forma ineficiente. A equipe de Dilma não será muito diferente da atual", disse um dos entrevistados. "O país precisa de estratégias como desenvolveram o Chile, a Coreia, a China, e que definiram um caminho. Pode-se criticar a estratégia de um ou outro, mas todos esses mudaram de patamar", completa outro executivo.

A "visão sindicalista" do governo do PT é criticada pelo dirigente de uma empresa de telecomunicações de capital nacional. "Os sindicatos acham que as empresas têm recursos infinitos e o Estado também. Então, para segurar os gastos, o governo sai aumentando impostos. Há uma mentalidade que o governo pode tudo", diz. Mas é este mesmo executivo que aplaude a postura da gestão Lula no estímulo à tecnologia nacional. "Usar o poder de compra da Telebrás para estimular o desenvolvimento da tecnologia nacional é importante para o setor. Não existe caso de país que se desenvolveu apenas baseado no desenvolvimento tecnológico dos outros", pontua. "O governo Lula avançou neste tópico", diz.

O segmento de transportes é tradicionalmente sensível às demandas da agenda ambiental. Não é de hoje que o automóvel está na lista das ameaças ao futuro do planeta. A indústria automobilística tenta adequar seu produto para deixar de ser vista como vilã do ambiente. Comunidades e governos dos países desenvolvidos, onde está o centro de poder dos fabricantes de veículos, já exerceram pressão suficiente para colocar o setor na linha. As filiais brasileiras dessas empresas já seguiam os compromissos ambientais assumidos pelas matrizes, mas não sofriam a mesma pressão da sociedade. Esse cenário começou a mudar, constatam seus executivos. Assim, as multinacionais se preparam para redobrar a atenção em torno das atitudes ambientais tanto nas suas instalações como nas centenas de empresas menores que participam da cadeia de suprimento do veículo, produto composto por mais de quatro mil itens.Os executivos deste setor não arriscam palpites sobre o peso da consciência ambiental na concentração de votos em Marina no primeiro turno. Vários apontam "a falta de opção" ou "o desencanto em relação aos dois principais concorrentes". Mas todos concordam que a votação de Marina Silva pode, sim, personificar uma preocupação maior do eleitor brasileiro com o ambiente.

"A questão ambiental começou a ganhar mais peso no Brasil depois de desastres como o derramamento de petróleo no Golfo do México", diz o vice-presidente da Bosch, Besaliel Botelho. Com sede na Alemanha, a Bosch é umas das maiores fabricantes de autopeças do mundo. A filial brasileira ganhou destaque na companhia por ter desenvolvido o sistema flex, que permite o uso de etanol ou gasolina nos motores dos automóveis.
Essa relação com a descoberta de uma energia alternativa, que consagrou o Brasil no exterior, aumenta a responsabilidade da empresa e isso inclui aumentar a vigilância em relação às práticas dos fornecedores. "Teremos que começar a ter certeza que a reciclagem de embalagens, que já fazemos na nossa empresa, funciona de ponta a ponta, em toda a cadeia de suprimento", ilustra.A preocupação com os custos que a agenda ambiental pode adicionar ao veículo é uma constante na indústria. A partir do momento que os governos dos Estados Unidos e Europa aumentaram o rigor em torno das legislações de emissão de poluentes e começaram a pressionar os fabricantes a encontrar soluções para diminuir a dependência do petróleo, as áreas de criação intensificaram esforços para o desenvolvimento de opções que estão desembocando na criação dos carros elétricos e, para o futuro, em veículos movidos a célula de hidrogênio.
O dinheiro público acaba por subsidiar essas novas tecnologias. Há poucos dias, o presidente mundial do grupo Renault-Nissan, Carlos Ghosn, disse que, em geral, a população não se importa em ver dinheiro público sendo usado em prol da preservação do ambiente. "Não existe nada que cause menos protesto contra o uso de dinheiro público do que a área ambiental", destacou. Na França o governo vai dar € 5 mil para cada carro elétrico vendido. No Brasil, o envolvimento do governo nessa questão nem começou.Os executivos das multinacionais ponderam que nem sempre a busca de alternativas para a preservação ambiental representa custos adicionais. Pode acontecer o contrário.

O presidente da Delphi na América do Sul, outra gigante do setor de autopeças com sede nos Estados Unidos, Gábor Deák, comenta as pesquisas com materiais mais leves como o chamado chicote elétrico, o equipamento que abriga a fiação elétrica em um automóvel. "A novidade que propomos é usar alumínio no lugar do cobre, o que vai reduzir o peso do equipamento em 30%". Mais leve, o carro gasta menos e polui menos.Paulo Butori, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes Automotivos (Sindipeças), avalia os votos que Marina Silva obteve no primeiro turno como "uma somatória de coisas que incluem decepção com outros candidatos, simpatia com a candidata e também consciência ambiental". Butori pontua: "A questão ambiental, de qualquer forma, já está enraizada na opinião pública e a empresa que não tiver isso claro daqui para a frente enfrentará sérias dificuldades." Para ele, o custo da preservação pode parecer alto em princípio. "Mas depois, o empresário se acostuma e percebe que consegue até economizar com isso. Foi assim com as ISO 9000 e ISO 12000", destaca.
No segmento de veículos pesados, a questão é mais complexa. Os veículos fabricados em países como o Brasil ainda não atendem aos limites de poluentes já em vigor nos mercados mais desenvolvidos. Depois de muita polêmica, foi decidido que os caminhões fabricados no Brasil, somente a partir de 2012 atenderão à legislação em vigor hoje na Europa, chamada de Euro 5. "Concordamos em atender às novas normas, mas temos que reconhecer que essa nova tecnologia não é gratuita", diz o presidente da Mercedes-Benz do Brasil, Jurgen Ziegler, referindo-se à necessidade de nacionalizar as peças dos motores, apesar de a tecnologia já estar pronta na Europa.Ziegler, que representa a maior fabricante de caminhões e ônibus do país, diz que sua preocupação é com a existência dos veículos mais velhos, que poluem mais, circulando nas ruas.
O aumento da pressão social pela preservação ambiental pode trazer à tona uma velha discussão no setor: a necessidade de um programa de renovação da frota e a criação de um programa de inspeção veicular nacional.Critérios ambientais, de responsabilidade social e de emissão de gases de efeito estufa vão começar a entrar nas licitações, acredita Ricardo Young, o empresário que quis virar senador. "Acredito que o conceito de licenciamento ambiental vai ter que introduzir a ideia da emissão de carbono", aposta ele. Mas o empresariado brasileiro ainda não é conservador para encarar, de fato, mudanças e sacrifícios em nome de uma pauta ambiental que seja de verdade? "Acho que o empresariado é conservador até onde ser conservador pode implicar em perder dinheiro", argumenta Young. "Mesmo que sua adesão à sustentabilidade não aconteça por motivos morais ou éticos, será por razões de competitividade." Na sua opinião, o vazamento de petróleo que aconteceu no Golfo do México, com a explosão da plataforma da BP, obriga que todos os processos do pré-sal sejam revistos. "O empresário sabe que para poder entrar no pré-sal vai ter que avaliar uma outra gestão de risco".

A questão da sustentabilidade é exatamente esta: gestão de risco. Risco de reputação, de imagem, de ser responsabilizado por danos a terceiros e assim por diante. "É verdade que muitos empresários só querem dar a entender que estão preocupados com estas questões, mas não pretendem ir realmente a fundo nelas", reconhece Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos. "Mas se a empresa obtiver uma licença fraca ou forçada, vai ter problemas com a sociedade", continua. "A questão ambiental é um dilema para o empresário porque ele tem a visão de curto prazo de gerenciar os negócios."

"Fico feliz que a pauta ambiental tenha tido tamanha repercussão nas urnas", diz uma empresária próxima do tema. "Este assunto sempre fica relegado a uma agenda marginal", continua. "Mas o que a votação de Marina indica é que a sociedade não acha mais que este é um tema acessório", celebra.

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